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acervo de coisas
sábado, 18 de janeiro de 2014
Caranguejola
segunda-feira, 9 de dezembro de 2013
Colóquio de amor
- Então é
assim: eu estou numa paragem de autocarro, do outro lado da rua. Estou à espera
do autocarro, que é aquilo que um homem faz quando está numa paragem de
autocarro. Sei perfeitamente que na há autocarros a passar por esta paragem;
mas se na há autocarros, porque é que há-de haver uma paragem? Então tenho de
esperar por qualquer coisa. E espero que chegue a noite. O problema é que a
noite já chegou há muito tempo, chegou mesmo antes de eu próprio chegar. “Olá”,
disse eu à noite, quando aqui cheguei. “Olá”, disse-me ela. Mas não foi a noite
que eu encontrei aqui. Foi a treva. A treva é diferente da noite porque a noite
é escura, e a treva é escuridão total, é esse negro absoluto em que ninguém pode
entrar porque, se entrar, não sabe como é que há-de sair. “Posso entrar”? Disse
eu à treva. “Queres entrar”? Respondeu-me ela. E vi uma outra diferença entre a
noite e a treva: a noite é baça, plácida, plástica. Posso moldá-la, que ela
desfaz-se como o nevoeiro, quando andamos às voltas dentro dele. A treva é
única, una, dura. Mas há uma outra coisa: a treva é um corpo. Sinto-o, quando
avanço, e ele se cola a mim, puxando-me para dentro dele. Não sei se é homem,
se é mulher. Por vezes, encontro a forma de uns seios; mas logo me perco, como
se ela, ou ele, me fugisse, e não quisesse que, com o meu abraço, pudesse reconhecer
se era ele, ou ela. Assim, aqui estou, nesta paragem de autocarro, dentro da
treva, sem saber como sair da treva, sabendo apenas que há um autocarro que não
há-de chegar nunca porque nesta paragem, já não passam autocarros. “Greve”? Perguntei
eu a um ciclista que por aqui passou. “Todo o mundo está sempre em greve”,
disse ele. “Quem”? Perguntei. Mas o ciclista já tinha pedalado para longe de
mim. “Não ouço nada”, gritei-lhe. “Nada”! Respondeu-me o eco. Sentei-me no
banco da paragem de autocarro. E à minha frente, do outro lado da rua, uma
mulher olhava-me. Não sei como é que, no meio da treva, ela me conseguia olhar.
Mas descobri o que se passava: ela olhava na minha direcção, como se não
olhasse para ninguém. “Amas-me”? Gritei-lhe. “Ou não amas ninguém”? Era como se
ela não ouvisse. Estava na mesa, com o café já frio em frente dela, e alguém
sentou-se ao seu lado. Era alguém, mas até podia ser ninguém. De facto pensei,
poderia ser o ciclista que deu a volta à rua, encostou a bicicleta no passeio,
e entrou no café. “Não faças isso”, disse-lhe. Mas ele não ligou, como se
ninguém lhe tivesse falado. “Tens a morte à tua frente”, murmurei, como se ela
ainda pudesse ouvir.
Nuno Júdice
domingo, 10 de novembro de 2013
Adão e Eva
Olhámo-nos um dia,
E cada um de nós sonhou que achara
O par que a alma e a cara lhe pedia.
- E cada um de nós sonhou que o achara...
E entre nós dois
Se deu, depois, o caso da maçã e da serpente,
... Se deu, e se dará continuamente:
Na palma da tua mão,
Me ofertaste, e eu mordi, o fruto do pecado.
- Meu nome é Adão...
E em que furor sagrado
Os nossos corpos nus e desejosos
Como serpentes brancas se enroscaram,
Tentando ser um só!
Ó beijos angustiados e raivosos
Que as nossas pobres bocas se atiraram
Sobre um leito de terra, cinza e pó!
Ó abraços que os braços apertaram,
Dedos que se misturaram!
Ó ânsia que sofreste, ó ânsia que sofri,
Sede que nada mata, ânsia sem fim!
- Tu de entrar em mim,
Eu de entrar em ti.
Assim toda te deste,
E assim todo me dei:
Sobre o teu longo corpo agonizante,
Meu inferno celeste,
Cem vezes morri, prostrado...
Cem vezes ressuscitei
Para uma dor mais vibrante
E um prazer mais torturado.
E enquanto as nossas bocas se esmagavam,
E as doces curvas do teu corpo se ajustavam
Às linhas fortes do meu,
Os nossos olhos muito perto, imensos,
No desespero desse abraço mudo,
Confessaram-se tudo!
... Enquanto nós pairávamos, suspensos
Entre a terra e o céu.
Assim as almas se entregaram,
Como os corpos se tinham entregado,
Assim duas metades se amoldaram
Ante as barbas, que tremeram,
Do velho Pai desprezado!
E assim Eva e Adão se conheceram:
Tu conheceste a força dos meus pulsos,
A miséria do meu ser,
Os recantos da minha humanidade,
A grandeza do meu amor cruel,
Os veios de oiro que o meu barro trouxe...
Eu, os teus nervos convulsos,
O teu poder,
A tua fragilidade
Os sinais da tua pele,
O gosto do teu sangue doce...
Depois...
Depois o quê, amor? Depois, mais nada,
- Que Jeová não sabe perdoar!
O Arcanjo entre nós dois abrira a longa espada...
Continuamos a ser dois,
E nunca nos pudemos penetrar!
E cada um de nós sonhou que achara
O par que a alma e a cara lhe pedia.
- E cada um de nós sonhou que o achara...
E entre nós dois
Se deu, depois, o caso da maçã e da serpente,
... Se deu, e se dará continuamente:
Na palma da tua mão,
Me ofertaste, e eu mordi, o fruto do pecado.
- Meu nome é Adão...
E em que furor sagrado
Os nossos corpos nus e desejosos
Como serpentes brancas se enroscaram,
Tentando ser um só!
Ó beijos angustiados e raivosos
Que as nossas pobres bocas se atiraram
Sobre um leito de terra, cinza e pó!
Ó abraços que os braços apertaram,
Dedos que se misturaram!
Ó ânsia que sofreste, ó ânsia que sofri,
Sede que nada mata, ânsia sem fim!
- Tu de entrar em mim,
Eu de entrar em ti.
Assim toda te deste,
E assim todo me dei:
Sobre o teu longo corpo agonizante,
Meu inferno celeste,
Cem vezes morri, prostrado...
Cem vezes ressuscitei
Para uma dor mais vibrante
E um prazer mais torturado.
E enquanto as nossas bocas se esmagavam,
E as doces curvas do teu corpo se ajustavam
Às linhas fortes do meu,
Os nossos olhos muito perto, imensos,
No desespero desse abraço mudo,
Confessaram-se tudo!
... Enquanto nós pairávamos, suspensos
Entre a terra e o céu.
Assim as almas se entregaram,
Como os corpos se tinham entregado,
Assim duas metades se amoldaram
Ante as barbas, que tremeram,
Do velho Pai desprezado!
E assim Eva e Adão se conheceram:
Tu conheceste a força dos meus pulsos,
A miséria do meu ser,
Os recantos da minha humanidade,
A grandeza do meu amor cruel,
Os veios de oiro que o meu barro trouxe...
Eu, os teus nervos convulsos,
O teu poder,
A tua fragilidade
Os sinais da tua pele,
O gosto do teu sangue doce...
Depois...
Depois o quê, amor? Depois, mais nada,
- Que Jeová não sabe perdoar!
O Arcanjo entre nós dois abrira a longa espada...
Continuamos a ser dois,
E nunca nos pudemos penetrar!
José Régio
Cosmocópula
I
Membro a pino
dia é macho
submarino
é entre coxas
teu mergulho
vício de ostras
II
O corpo é praia a boca é a nascente
e é na vulva que a areia é mais sedenta
poro a poro vou sendo o curso da água
da tua língua demasiada e lenta
dentes e unhas rebentam como pinhas
de carnívoras plantas te é meu ventre
abro-te as coxas e deixo-te crescer
duro e cheiroso como o aloendro.
Membro a pino
dia é macho
submarino
é entre coxas
teu mergulho
vício de ostras
II
O corpo é praia a boca é a nascente
e é na vulva que a areia é mais sedenta
poro a poro vou sendo o curso da água
da tua língua demasiada e lenta
dentes e unhas rebentam como pinhas
de carnívoras plantas te é meu ventre
abro-te as coxas e deixo-te crescer
duro e cheiroso como o aloendro.
Natália Correia
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
O ideal do socialismo esquecido...
Será que um dia vamos perceber, claramente, a urgência da construção de uma
sociedade ideal!? Onde as classes sociais vivam em harmonia?!... que encontrem
interesses em comum, que estejam acima de qualquer exploração ou busca
incessante pelo lucro, adoptem práticas sociais que primam pela felicidade,
harmonia e cooperação para assim superar os problemas causados pela economia
capitalista!
A terra é de quem a
trabalha!
Quanto custa um rico a um pais?...
Miséria! Fome! Desespero!
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
Ainda ouço a voz desta mulher...
Naqueles primeiros dias de
dezembro, um rumor angelical de asas vindo de longe agonizou-nos a alma; como
quem trespassa a harmonia inteira do mundo… mas tu ouves essa voz vibrando-te e
tudo em ti regressa como onda: os araçás da infância, as nêsperas, outra mulher
cantando à janela… onde for o lugar disto tudo e a memória desse lugar, aí
encontraremos a raiz exacta destas palavras: as lembranças que seguramos
dentro!
Esta árvore, neste lugar,
símbolo desta mulher, qual seiva de que a nossa vida se sustenta…
Esta é a mulher das nossas
vidas! Agora damos-lhe outra vida... Enraizando o nosso Amor. (É apenas mais um
símbolo que erguemos a partir dela - são tantos -)… aqui a nossa dor germinará
em silêncio:
- A pensada emoção das coisas
cria-nos a imagem desta mulher sentada e fixando-nos para lá do silêncio… mas
que bela imagem! J
'Vó Teresa
Houve uma altura que me
cansei de interrogar as razões do tempo e decidi que era melhor talvez voltar a
chorar: recolhi-me e chorei! Mas por uma mulher tão perfeita, eu choro sem
querer…
Talvez eu não saiba dizer
como me doeu aos doze anos a sua partida… nesse tempo em que procurava o lugar
onde melhor me situasse… sei hoje que desse tempo distante e perturbado guardo
comigo o gosto de me ter deixado pelo peso dos dias que se passaram por mim,
sem dar conta, nem pelas vozes que anunciavam tal prenúncio… Só sei que ela me
deu a força com que enfrentei o tempo seguinte não menos perturbante que o dos
meus doze anos... E era isto que eu queria dizer: aquela música que nós
tocávamos ao piano: Ó vovó! Meu amor! Dá-me um beijo, por favor!...
A brevidade com que digo
estas palavras tem em mim um peso de eternidade: quando eu olho para ela. Volto
a interrogá-Lo… Só doze anos porquê? Sem querer invejar as minhas irmãs e os
meus primos, mas só doze anos porquê?... Afinal, o que eu queria dizer, é que
esta é a mulher da minha vida! E a vossa também, penso eu…
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